sábado, 29 de novembro de 2025
REFORMAS NA GALERIA
quarta-feira, 19 de novembro de 2025
O BULE E O MONSTRO - Pena Cabreira
Na década de 60, em Pelotas, o menino com seus quatro ou cinco amigos, todos
moradores do centro, costumava perambular à noite pelas ruas seguras do comércio
parando de vitrine em vitrine onde praticavam um jogo pra lá de infantil, uma disputa.
Eles escolhiam para si os melhores produtos expostos - um por vitrine, e a cada vitrine
alternavam quem seria o primeiro a escolher, num rodízio. Ao fim do passeio, quem
“adquirisse” o melhor conjunto de produtos seria o ganhador daquela expedição. Essa
brincadeira ingênua e divertida tomava proporções surreais quando os moleques se
aproximavam do seu ponto final enquanto contabilizavam as “aquisições” de cada um.
O anúncio do vencedor da noite era feito exatamente na esquina da Andrade Neves
com a Sete de Setembro onde se deparavam e se encantavam com um bule gigantesco
pendurado na esquina de um bazar que tinha um nome assustador para aquela
piazada lotada de fantasias: Bule Monstro. E era realmente um objeto de proporções
estupendas pra aquela mandizada diminuta, mas não só, parecia ter sido extraído de
uma Alice no País das Maravilhas desenhado por um ilustrador gótico da pesada. Era
um bule realmente monstruoso, todo em ferro vazado com seus buracos preenchidos
com pedaços de vidros coloridos mas que, quando acesa a luz interna se transformava
num enorme e maravilhoso mosaico, numa jarra tridimensional luminosa e
multicolorida, mágica!
Era ali, no meio-fio da calçada sob luzes matizadas que se desembestava o
deslumbramento, começava a contação de histórias terrivelmente tenebrosas,
sanguinolentas e violentamente assustadoras, todas partindo do mesmo princípio: o
gigantesco monstro que dormia durante o dia no porão da Biblioteca Municipal e na
calada da madrugada saia pela rua Quinze de Novembro até aquela esquina para
servir-se de chá no seu querido Bule Monstro enquanto degustava transeuntes
desavisados das noites profundas, seu alimento predileto. Nenhum dos guris duvidava
daquela premissa que eles mesmo haviam inventado, uma mitologia tão convincente
que tinha até prova concreta - o bule! E mais, ele era colorido e luminoso porque o
monstro era meio cegueta e as cores brilhantes o ajudavam a localizá-lo. A partir daí,
cada um dos meninos se esforçava em superar o outro em histórias escabrosas
descendo vertiginosamente pelos calabouços da imaginação rumo ao medo. Até que,
algum deles começava a olhar ao redor e ao perceber que a noite apertava, lembrava
que a “hora do monstro” estava próxima e que era melhor ir embora, os outros riam,
debochavam, o acusavam de cagão, mas todos - um a um – dissimuladamente iam se
levantando, se despedindo e tomando o rumo de casa. Cada um carregando sua
porção de invenção e medo dentro de si.
sexta-feira, 14 de novembro de 2025
UMA CONVERSA COM JOICE LIMA
Ontem tivemos a visita de JOICE LIMA que volta a se integrar ao nosso grupo .
Eu a conheci quando acompanhava o grupo de teatro do IFSul dirigido por Valter Sobreiro Junior no qual Joice era atriz e eu fazia a fotografia
Como resultado deste trabalho me foi possível montar uma exposição, que percorreu, acompanhando as apresentações da peça,várias cidades do Rio Grande do Sul, inclusive Porto Alegre, chegando ir a Montevideu
A visita da Joice representa um passo significativo no sentido de ter dentro da proposta da Câmara Clara representantes dos vários setores de nossa Arte e Cultura, sendo Joice na Literatura uma representante determinada e talentosa.
Dentro das possibilidades de tempo e das condições, passamos a avaliar um momento em que, ainda este ano, possamos programar um evento com sua presença
Joice Lima é bacharel em Jornalismo (UFSM), licenciada em Teatro (UFPel) e especialista em Educação (IFSUL-Pelotas). Mora em Pelotas/RS, onde trabalha como jornalista na Secretaria de Comunicação do Município. Também é atriz, diretora de teatro e dramaturga. É fluente em inglês e espanhol.
Tem publicados quatro romances: os dramas contemporâneos Café Cortado (2021) e Hortênsias de Agosto (2018); o autobiográfico Uma gaúcha em Madri (2008, reeditado em 2020) e o thriller psicológico Amor doentio de mãe (2006, reeditado em 2022), além da comédia teatral adulta Depois do Happy Ending (2008, reeditado em 2020). Em 2023 lançou o primeiro livro de contos, De amor, de ódio e outras invenções, e em 2024, o primeiro livro infantil, O menino brilhante.
Integra as coletâneas De Quatro (2021), Aguaceiro (2023), Poção Literária (2024), Feitos de Luz e Sombras (2025) e Dramaturgia em Processo (2010).
quarta-feira, 12 de novembro de 2025
SILÊNCIO - Maria Clara Michels
Escuto esse silêncio como se dezenas de pássaros levassem seu canto ao ar ao mesmo tempo. Pousados nos fios, nas árvores, nas cercas, pulando nos campos, pelas estradas, aplicados construindo seus ninhos, alimentando filhotes, arrastando a asa um para o outro. Eu os escuto e é como se o silêncio não fosse rompido, pois fazem parte da paisagem...
Escuto esse silêncio como se pudesse escutar as flores se preparando para a Primavera. Enraizando sob a terra úmida, agregando cores e mais cores, tecendo folhagens e pétalas, se vestindo, delicadamente, com novas fragrâncias.
Escuto esse silêncio como se fosse chuva na noite, gota a gota escorrendo pelo telhado e deslizando pelo chão, a água mansa ou violenta, em torrentes, batendo contra as vidraças , percutindo contra as paredes, embalando o sono, lavourando a terra.
Escuto esse silêncio como se fosse o rápido e leve farfalhar das folhas em dia de pouca brisa, um bamboleio suave nos galhos, um agitar quase imperceptível para quem não procura...
Escuto esse silêncio como se fosse o canto das águas do rio, a mansidão das águas do mar ou da lagoa em dias sem vento, só um calmo marulhar que embala e tece promessas contra a areia.
Escuto esse silêncio como o ronronar de um gato, o pelo sedoso sob as mãos, o dorso arqueando, as patinhas que te procuram e te acariciam...
Escuto esse silêncio como o crepitar das chamas na lareira, no fogão de campanha, o vermelho e o dourado do fogo, o agradável estralar da lenha.
Escuto esse silêncio como uma orquestra, num palco iluminado,instrumentos brilhando em uma música memorável, rostos e mãos expressivos e ocupados, tecendo sons que nos levam ao sonho e constroem memórias.
Escuto esse silêncio como escutei pela primeira vez a voz da minha mãe, meu pai, de cada filho, neta, daqueles a quem amei, seus balbucios, murmúrios, suas palavras de amor, seu choro, seu canto.
E tudo isso que escuto, esse silêncio longo, profundo, doce, reverbera em meus ouvidos como cascata, como tuas palavras, tuas risadas, como teu próprio silêncio, meu próprio silêncio, minha paz, meu descanso.
foto M.C.Michels
Em 12/8/23
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